"Hoje, eu entro em qualquer mesa que formar. Quanto mais caro, melhor."

Quando um jogo de pôquer tem apostas altas, ele é chamado de high stakes (“cacifes elevados”). Quando elas são maiores ainda, dizem que é uma partida de nosebleed stakes. Em português simples e objetivo, os “cacifes que fazem o nariz sangrar”.
E, no Brasil, ninguém sangra mais narizes do que o paulista Gabriel Goffi. Aos 21 anos, ele viaja regularmente pelo país para disputar os jogos mais caros encontrados em solo nacional. “Já rodei o Brasil jogando”, diz. “Dou atendimento em todos os lugares!”, brinca.
A maior parte dos parceiros de Goffi são empresários e executivos. “Você precisa estar confortável com os valores”, diz. “Se você transparecer que está com medo, eles vão te atacar a toda hora.”
Os pingos, normalmente, flutuam entre R$25/R$50 e R$100/R$200. O jogo em questão não é o popular Texas Hold’em, e sim o Omaha. Nele, você tem quatro cartas, contra duas do Hold’em. As possibilidades, portanto, são muito maiores. “Comecei no Hold’em, mas com o tempo os ‘tiozões’ enjoaram dele. Eles queriam mais ação e diversão, coisa que o Omaha proporciona bem. Como não quero jogar só com regulares, migrei junto para o Omaha.”
Goffi é considerado, no meio do pôquer, o melhor jogador de cash game ao vivo do Brasil. Sua fama de ganhador deu origem à brincadeira Goffi Facts (uma variação do Chuck Norris Facts, uma série de factóides satíricos que exaltam a força do ator americano). Uma das piadas diz que “Goffi perdeu a carteira em Brasília e, no mesmo lugar, fundaram o Banco Central”.
“Hoje, entro em qualquer mesa que formar”, afirma ele. “Quanto mais caro, melhor.” Leia abaixo a entrevista completa de Gabriel Goffi a Alfa, em que ele fala sobre blefes de 47 mil reais, ser banido de um clube de pôquer por ganhar dinheiro demais e a maior virtude que um jogador de high stakes pode ter (“balls”).

Revista Alfa – Onde você costuma jogar pôquer?
Gabriel Goffi – Num jogo privado em Alphaville, formado por amigos. É uma turma fixa de nove pessoas. São sete empresários e dois jogadores profissionais, eu e mais um colega.

Alfa – Com que frequência vocês jogam?
Goffi – Duas vezes por semana, de terça e quinta-feira. O jogo começa às 21h e acaba no máximo às 4h, normalmente. Tem um parceiro que trabalha cedo, então não dá para esticar até muito tarde.

Alfa – E quais são os valores apostados?
Goffi – Depende do dia, mas geralmente fazemos R$100/R$200. É escuro no botão, não tem blinds. O botão faz 100 reais e alguém faz escuro de 200 reais em qualquer posição da mesa, com repique. Quando o jogo tá muito forte, tem até 400 reais no escuro.

Alfa – O cacife inicial é de quanto?
Goffi – Começa com 5 mil reais de frente. São 25 big blinds, ou seja, é só um tiro as primeiras mãos. Quem acerta qualquer draw [pedida] decente já vai para o all in. Daí começa o jogo com reload [recompra] para todo lado. É quando os stacks [cacifes] passam a ser 100 big blinds efetivos.

Alfa – Vocês jogam Texas Hold’em?
Goffi – Não, é PLO, Pot-Limit Omaha. Como a maioria dos jogadores, eu comecei no Texas Hold’em, mas com o tempo os “tiozões” enjoaram do jogo de duas cartas, queriam mais ação e mais diversão, coisa que o Omaha proporciona bem. E como não quero jogar só com regulares, migrei junto para o Omaha. Realmente, é muito mais divertido. Mas, também, muito mais perigoso. É pedida para tudo quanto é lado.
Alfa – Dá para fazer quanto numa noite?
Goffi – Prefiro não comentar, até porque a variância do Omaha é muito grande. Então não tem como dizer uma média. Mas não são valores astronômicos, como muita gente pensa, apesar do jogo ser R$100/R$200.

Alfa – Não é muita pressão para você, que tem 21 anos, jogar com empresários numa mesa de valores tão altos?
Goffi – Para entrar num jogo caro, você precisa estar confortável com os valores. Ou seja, aquelas fichas não podem significar de verdade o valor que elas possuem. Se você transparecer para eles que está com medo, eles vão te atacar a toda hora. Eles querem ver exatamente isso, o medo na sua cara. Querem tirar você da zona de conforto. Então eu meio que me adaptei a isso. Hoje em dia, não sinto nenhuma pressão.

Alfa – Tem algum outro lugar onde você joga regularmente?
Goffi – Tem sim, um clube nos Jardins. O jogo lá é mais barato, é R$50/R$100. Tento revezar, sempre vou atrás de jogo bom. Se o jogo estiver forte e com bastante stack, ele já me pega. Não gosto de jogos passivos, estou atrás de confusão! [risos]

Alfa – Qual é o seu estilo de jogo nessas mesas caras?
Goffi – No jogo ao vivo, sua imagem é a coisa mais importante. Você precisa saber exatamente o que o seu adversário acha de você naquele momento. Se ele pensa que você é bem tight [seguro] ou bem agressivo. Dependendo da sua conclusão, você pode explorar essa sua imagem. No primeiro caso, se alguém me acha tight, vou regularmente blefar nele. No segundo caso, irei jogar quase que sempre por valor. Mas meu estilo de jogo, no geral, é bem agressivo. Faço o que os “tiozões” gostam. Escuro, mais e mais. Como eu disse antes, estou atrás de confusão!

Alfa – Você poderia contar alguma mão marcante?
Goffi – Teve uma mão marcante que aconteceu há pouco tempo. Foi no mês passado. Eu tinha ido ao banheiro e quando, estava voltando, a dealer [crupiê] estava entregando as cartas. O botão tinha feito 100 reais. Eu falei de longe: “Coloca 200 no escuro para mim”. Aí a ação começa no botão e eu sou o último a falar na mão.
Todos pagaram e o penúltimo a falar fez mil reais. Eu tinha 10-8-8-2 off [sem naipes combinados], uma mão horrível. Resolvi pagar, porque dando esse call, eu faria todos pagarem também. Então, eu jogaria um pote de oito mil reais apenas para acertar a trinca de oitos, o famoso set value [valor da trinca].
O flop veio 8-3-3, um sonho! Todo mundo check [dar mesa]. Chega em mim e faço quatro mil no pote de oito, para induzir blefes mesmo. O jogador “X….” no big blind faz tudo 12 mil. Os stack efetivos eram de 47 mil reais. Eu dou flat call apenas. No turn bate um dez e ele diz a famosa frase: “Quanto cabe?” E joga o seu all in. Eu dou snap call [pagar sem hesitar]. Ele, branco com a situação, fala: “O quê?” Eu digo “paguei”. Ele responde: “É, eu tava blefando. Achei que se você tivesse ás e três largaria”. Aí entra aquela história da pressão que eles querem te colocar. Realmente, seria bem difícil pagar essa mão com ás e três.

Alfa – Como você investe o dinheiro que ganha no pôquer?
Goffi – Meus pais são do interior de São Paulo. Um negócio que tem crescido muito por lá é a compra e venda de imóveis. Aliás, não só lá, mas como no Brasil todo. Então, estou investindo com eles nisso. Pretendo também, num futuro próximo, abrir alguma franquia de cosméticos com meu grande amigo Robigol.

Alfa – Você gosta de gastar dinheiro com roupas caras, relógios e etc?
Goffi – Gosto de qualidade. Então, consequentemente, gosto de gastar dinheiro com roupas, relógios, viagens e restaurantes caros. Inclusive, isso é uma das coisas que me fazem ter vontade de grindar [jogar e ganhar com regularidade] bastante. Vejo como uma recompensa por tudo, não como um exagero.

Alfa – Como você lida com as derrotas?
Goffi – Sou muito competitivo. Como todo mundo que é assim, não gosto de perder. Sei perder, é claro. Mas sempre tiro alguma lição das derrotas, sempre penso muito na minha sessão caso ela tenha sido negativa. O que eu podia ter feito diferente, ou ter evitado, etc.

Alfa – Você é supersticioso?
Goffi – Não sei se esse exemplo se encaixa como superstição, mas tento me manter positivo o dia inteiro. Acredito muito nisso. Gosto de ficar perto de pessoas positivas e odeio ouvir palavras negativas. Tento sempre fazer o bem e desejar o bem para todo mundo, porque acredito muito que as coisas acontecem pela pessoa que você é. Pelo seu caráter. Posso ganhar uma fortuna no dia, mas vou chegar ao meu prédio e tratar o meu porteiro da mesma forma que tratei o dono do Habibs. Outro exemplo são os sinais. Se no dia de jogo caro, onde eu tento ficar o mais relaxado possível, começa a ter coisas que me estressam, eu já me sinto mal e tento não jogar.

Alfa – Você joga na internet, também?
Goffi – Meu foco sempre foi o jogo ao vivo, mas com o online indo paralelamente. Ultimamente, tenho focado bastante na internet. Jogo apenas heads-up [mano a mano] de $2/$4 até $5/$10 no Full Tilt, no Poker Stars e no Ongame.
Queria muito virar high stakes online ($25/$50 ou mais) também, mas o caminho é muito mais difícil. Precisa ter muita disciplina, controle emocional e, óbvio, bankroll [cacife acumulado]. Os jogos estão cada dia mais difíceis, o que consequentemente aumenta a variância do jogo. Isso no Omaha é bizarro.
Voltei a estudar bastante pôquer. Pot-Limit Omaha, mais especificamente. Vamos ver se, até o fim do ano que vem, consigo me estabilizar no $10/$20 e $25/$50.

Alfa – Você teve alguns bons resultados em torneios no Brasil. Ficou em 2º numa etapa do BSOP e em 9º no Full Tilt 750k. Você gosta, também, de jogar torneios?
Goffi – Sim, mas o que me interessa mesmo nos torneios é o cash game caro que ele gera paralelamente. No BSOP e em torneios grandes, sempre vou por causa disso. O cash caro é muito bom e quem joga tem muitas regalias. Por exemplo, hotel e alimentação. Tipo cassino mesmo. Os parceiros são tratados como celebridades.

Alfa – Isso acontece com frequencia?
Goffi – Já rodei o Brasil jogando. Todo mês, pelo menos, tem jogo em algum lugar do país. Tento comparecer a todos. Dou atendimento em todos os lugares! [risos]

Alfa – Então você não viaja para jogar torneio, mas o cash caro?
Goffi – No BSOP de Goiânia, que fiquei em segundo, me pagaram tudo. Eu fui para jogar cash caro. Em todo evento é assim. Se estou lá, fui para jogar cash caro, não o torneio. Até acabo entrando no torneio, só que vou para o estouro logo no começo. Jogo com consciência, mas se tiver uma pedida de flush nuts [máxima], não largo nem se um cara apontar a arma na minha cabeça! [risos] Eu quero ficar grande logo no começo, jogo para frente. Se for eliminado, tudo bem, vou para o cash. Se fico grande, começo a jogar com mais segurança. Não faço mais tanto move [movimento] desesperado.

Alfa – As apostas são muito altas?
Goffi – O cash do BSOP é caro, mas não comparado ao de Alphaville.  Creio que ele seja o mais caro do brasil.

Alfa – Como você começou no pôquer ao vivo em São Paulo?
Goffi – Eu morei um ano em Londres. Por lá eu só jogava online, nada muito significante, e conheci o jogo nos cassinos. Não tinha bankroll suficiente para grindar os jogos em libras regularmente, mas fiquei fascinado. Quando vim para São Paulo, aos 18 anos, eu só jogava pôquer online. Vim para fazer cursinho, para entrar na faculdade de Relações Internacionais. Num dia de grind online, perdi 10 buy-ins e tiltei [perder a controle]. Fiquei saturado da internet e fui pesquisar o jogo live de São Paulo. Encontrei uma casa nos Jardins onde, mais tarde, eu seria banido. No meu primeiro torneio live fiquei em primeiro, ganhei 1,8 mil reais. No dia seguinte fui jogar cash R$1/R$2 e ganhei mais mil. No outro dia, mais 1,2 mil reais. Aí pensei “é, me engataram no jogo”. Então comecei a focar no pôquer ao vivo.

Alfa – Você disse que foi banido do clube, é isso mesmo?
Goffi – Depois de grindar por um tempo no R$1/R$2, fiz o move up para o R$ 5/R$5. Entrei numa good run [boa fase] em que ganhei praticamente todos os dias do mês, o que deixava os parceiros incomodados, porque a maioria perdia regularmente. Eu não era o parceiro que sou hoje, jogava só mãos boas. Era durinho no jogo, não me preocupava muito com minha imagem, faltava malandragem. Com isso, chegou um dia em que os parceiros falaram para o dono do jogo: “Se o Goffi jogar, ninguém mais joga”. O dono da casa me adorava, mas disse que se eu jogasse não formava a R$5/R$5. Então migrei para o H2 e foi onde tudo aconteceu.

Alfa – Me conta um pouco sobre a sua mudança do R$5/R$5 para os high stakes.
Goffi – Uma das partes mais importantes do pôquer é o move up, quando você sobe de limites. Esse é um momento em que a sorte influencia. Conheço muita gente que tem potencial, mas que quando foi migrar para o jogo caro, tomou uma pancada. Pessoas que jogavam R$5/R$10 e ganhavam 5 mil reais num dia e perdiam 2 mil no outro. Só que, no R$25/R$50, a pancada é de 30 mil reais! Muita gente perdeu uma nota nesse começo. Aí teve o emocional afetado e disse que não ia mais jogar o cash caro. Parou. Comigo, não. Logo na primeira sessão, ganhei 20 mil reais. Na segunda, mais 30 mil. Aí pronto, explodi no jogo. Teve esse lance de sorte no começo. Porque a variância existe, eu podia ter tomado uma pancada. Hoje, entro em qualquer mesa que formar. Quando mais caro, melhor. O problema é que não tem muito parceiro para esses jogos caros.

Alfa – Como os seus pais e a sua namorada lidam com isso tudo?
Goffi – Tudo na vida é resultado. O pôquer principalmente. Não adianta eu te falar que sou ótimo jogador, mas não conseguir ganhar nada. No começo, a minha namorada e os meus pais diziam que tudo bem eu jogar pôquer, mas que precisava fazer faculdade. Aí os resultados começaram a aparecer. Hoje em dia, meus pais têm o maior orgulho de mim, me idolatram! Minha namorada também. Tem um grande orgulho.

Alfa – Sua namorada, então, não se importa que você fique viajando pelo país para jogar?
Goffi – Já tivemos brigas por causa dessas viagens. Eu gostaria de levá-la junto, mas ela faz cursinho. Tem aula até de sábado. Sabemos que é uma fase passageira e que ano que vem ela já vai poder me acompanhar. Mas nos damos muito bem, ela é muito sossegada. O segredo do relacionamento é saber conciliar as coisas. Se fiquei focado no pôquer no final de semana, dia de semana tento manter o foco mais nela.

Alfa – Qual é a maior virtude que um jogador de cash caro pode ter?
Goffi – Jogador de cash caro geralmente tem muito peito. Nesse jogo você precisa ter balls, saber blefar, pagar. Então, a qualidade mais importante de um profissional é basicamente essa. E também ser marqueteiro na mesa. Saber usar exatamente a sua imagem para determinadas as suas ações.

Pedro Nogueira (http://revistaalfa.abril.com.br)