quarta-feira, 4 de setembro de 2013
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Lógica do abortismo
O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais
provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da
mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão
interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam
inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí
portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar.
Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na
escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de
chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou
de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a
única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de
praticá-lo. À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito
de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com
segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência que
evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em
cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o
ônus da prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa.
Jamais tendo havido um abortista capaz de provar com razões cabais a
inumanidade dos fetos, seus adversários têm todo o direito, e até o
dever indeclinável, de exigir que ele se abstenha de praticar uma ação
cuja inocência é matéria de incerteza até para ele próprio.
Se esse argumento é evidente por si mesmo, é também
manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes hoje em dia
não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção pelo
aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade
criminosa – de apreender a noção de "espécie". Espécie é um conjunto de
traços comuns, inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um
indivíduo, de uma vez para sempre, numa natureza que ele compartilha com
outros tantos indivíduos. Pertencem à mesma espécie, eternamente, até
mesmo os seus membros ainda não nascidos, inclusive os não gerados, que
quando gerados e nascidos vierem a portar os mesmos traços comuns. Não é
difícil compreender que os gatos do século XXIII, quando nascerem,
serão gatos e não tomates.
A opção pelo abortismo exige, como condição prévia, a
incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o abortista, a
condição de "ser humano" não é uma qualidade inata definidora dos
membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu
talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem
decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso
social, não a natureza das coisas.
O grau de confusão mental necessário para acreditar
nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os abortistas alegam de
maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus argumentos. Em
geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios), porque
pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como
presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de
aplicação catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção
social, nada impede que uma convenção posterior a revogue, negando a
humanidade de retardados mentais, de aleijados, de homossexuais, de
negros, de judeus, de ciganos ou de quem quer que, segundo os caprichos
do momento, pareça inconveniente.
Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo
abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de
conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de
bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.
Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo
mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral
comum, como por exemplo o dever que um político tem de prestar contas
dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com
insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da
Silva e sua querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um
partido que ama e venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a
essa idéia, saem ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a
proposta abortista.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.
Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua
vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres
supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para
enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram
milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora
parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que
não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não
respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também
indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a
outra embutida.
Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários
incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca
da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer
que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo,
eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que
seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um
crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade
intrínseca, vivem de parecer que não o são.
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de outubro de 2010
Diário do Comércio, 14 de outubro de 2010
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
A ortodoxia ateísta que me trouxe à fé
Megan Hodder era uma jovem e ávida leitora do
neoateísmo, mas sua vida mudou quando ela leu o trabalho dos seus
inimigos católicos
Cena do filme da vida de Edith Stein, do ateísmo para os altares.
Na última Páscoa, quando eu estava começando a explorar a
possibilidade de que deveria haver algo a mais na fé católica, além do
que eu tinha acreditado e sido levada a crer, eu li "Cartas a um jovem
católico", de George Weigel01. Uma passagem em particular chamou-me a atenção.
Falando dos milagres do Novo Testamento e do significado de fé, Weigel escreve: "No
jeito católico de ver as coisas, andar sobre as águas é algo totalmente
sensato a se fazer. Ficar no barco, atendo-se tenazmente às nossas
pequenas comodidades, é loucura."
Nos meses seguintes, aquela vida fora do barco – a vida da fé –
começou a fazer bastante sentido para mim, a ponto de eu não poder mais
justificar ficar parada. No último fim de semana eu fui batizada e
confirmada na Igreja Católica.
Megan Hodder
É claro, isso não deveria acontecer. Fé é algo que a minha geração
não considera, mas deixa de lado e ignora. Eu cresci sem nenhuma
religião e tinha oito anos quando aconteceu o atentado de 11 de
setembro.
A religião era irrelevante na minha vida pessoal e, durante meus
anos na escola, a religião só proporcionava um fundo de notícias de
violência e extremismo. Eu lia avidamente Dawkins, Harris e Hitchens,
cujas ideias eram tão parecidas com as minhas que eu empurrava quaisquer
dúvidas para o fundo da minha mente. Afinal, qual alternativa havia lá
para o ateísmo?
Como uma adolescente, eu percebi que precisava ler além dos meus
polemistas favoritos, como começar a pesquisar as ideias dos mais
egrégios inimigos da razão, os católicos, a fim de defender com mais
propriedade minha visão de mundo. Foi aqui, ironicamente, que os
problemas começaram.
Eu comecei lendo o discurso do Papa Bento XVI em Ratisbona, ciente de
que tinha gerado controvérsia na ocasião e era uma espécie de tentativa
– fútil, é claro – de reconciliar fé e razão. Também li o menor livro
de sua autoria que pude encontrar, On Conscience02. Eu esperava – e desejava – achar preconceitos e irracionalidade para sustentar meu ateísmo. Ao
contrário, fui colocada diante de um Deus que era o Logos; não um
ditador sobrenatural esmagador da razão humana, mas o parâmetro de
bondade e verdade objetiva que se expressa a Si mesmo e para o qual
nossa razão se dirige e no qual ela se completa, uma entidade que não
controla nossa moral roboticamente, mas que é a fonte de nossa percepção
moral, uma percepção que requer desenvolvimento e formação por meio do
exercício consciente do livre-arbítrio.
Era uma percepção da fé mais humana, sutil e fiável do que eu
esperava. Não me conduziu a uma epifania espiritual dramática, mas
animou-me a buscar mais no catolicismo, a reexaminar com um olhar mais
crítico alguns dos problemas que tinha com o ateísmo.
Primeiro, moralidade. Para mim, uma moralidade ateísta conduzia a
duas áreas igualmente problemáticas: ou era subjetiva a ponto de ser
insignificante ou, quando seguida racionalmente, implicava resultados
intuitivamente repulsivos, como a postura de Sam Harris sobre a tortura.
Mas as mais atraentes teorias que poderiam contornar esses problemas,
como a ética das virtudes, geralmente o faziam a partir da existência de
Deus. Antes, com minha compreensão caricata de teísmo, eu acharia isso
absurdo. Agora, com o discernimento mais profundo que eu tinha começado a
desenvolver, eu não tinha tanta certeza.
Depois, metafísica. Eu percebi rapidamente que confiar nos
neoateístas para argumentar contra a existência de Deus era um erro:
Dawkins, por exemplo, dá um tratamento dissimuladamente superficial a
Tomás de Aquino em "Deus, um delírio", abordando apenas o resumo das
cinco vias de São Tomás – e distorcendo as provas resumidas, para
variar. Informando-me melhor sobre as ideias
aristotélico-tomistas, eu as considerei uma explanação bastante válida
do mundo natural, contra a qual os filósofos ateístas não tinham
conseguido fazer um ataque coerente.
O que eu ainda não entendia era como uma teologia que operava em
harmonia com a razão humana poderia ser, ao mesmo tempo, nas palavras de
Bento XVI, "uma teologia fundamentada na fé bíblica". Eu sempre
considerei que a sola scriptura, mesmo com suas evidentes falácias e
deficiências, era de certo modo consistente, acreditando nos cristãos
que leem a Bíblia. Então eu fiquei surpresa ao descobrir que esta visão
poderia ser refutada com veemência tanto pelo ponto de vista católico –
lendo a Bíblia através da Igreja e de sua história, à luz da Tradição –
como pelo ateu.
Eu procurei por absurdos e inconsistências na fé católica que
pudessem descarrilhar minhas ideias da inquietante conclusão à qual eu
me dirigia, mas o irritante do catolicismo é sua coerência: uma vez que
você aceita a estrutura básica de conceitos, todas as outras coisas se
ajustam com uma rapidez incrível. "Os mistérios cristãos são um todo indivisível", escreveu Edith Stein em "A ciência da cruz"03.
"Se entramos em um, somos levados a todos os outros". A beleza e
autenticidade até das mais aparentemente difíceis partes do catolicismo,
como a moral sexual, se tornaram claras quando não eram mais vistas
como uma lista descontextualizada de proibições, mas como componentes
essenciais no corpo complexo do ensinamento da Igreja.
Havia um último problema, porém: minha falta de familiaridade com a
fé como algo vivido. Para mim, toda a prática e a língua da religião –
oração, hinos, Missa – eram algo totalmente estranho, em direção ao qual
eu relutava em dar o primeiro passo.
Minhas amizades com católicos praticantes finalmente convenceram-me
que eu tinha que fazer uma decisão. Fé, no fim das contas, não é
meramente um exercício intelectual, um assentimento a certas
proposições; é um radical ato da vontade, que engendra uma mudança total
da pessoa. Os livros levaram-me a ver o catolicismo como uma conjectura
plausível, mas o catolicismo como uma verdade viva eu só entendi
observando aqueles que já serviam a Igreja por meio da vida da graça.
Eu cresci numa cultura que tem amplamente virado as costas para a fé.
Por isso eu era capaz de levar minha vida adiante com meu ateísmo mal
concebido e incontestado, e isso explica pelo menos parcialmente a
grande extensão de apoio popular que têm os neoateístas: para
cada ateu ponderado e bem informado, existirão outros com nenhuma
experiência pessoal de religião e nenhum interesse em argumentar
simplesmente indo na onda da maré cultural.
Enquanto a popularidade do ateísmo beligerante e reacionário diminui,
cristãos sérios capazes de explicar e defender sua fé serão uma
presença crescentemente vital na esfera pública. Eu espero que eu seja
um pequeno exemplo da força de atração que o catolicismo ainda carrega
em uma época que lhe parece às vezes irascivelmente oposta.
Fonte: The Catholic Herald | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Pinóquio, Deus e a Incompletude de Gödel
O Philosoraptor
tropeçou em uma questão profundamente filosófica, ligando a matemática à
compreensão fundamental do Universo, nossa mente – e, para alguns,
mesmo Deus. Pense bem. Esta forma de gerar um paradoxo fazendo com que uma declaração faça referência a si mesma foi o truque que o matemático Kurt Gödel
utilizou em 1931 para provar seus Teoremas de Incompletude, entre as
mais importantes descobertas científicas e filosóficas do século
passado.
Marcus Dominus cita “a explicação mais curta ao Teorema de Gödel”, de autoria de Raymond Smullyan, e como ela é realmente curta, a traduzo na íntegra:
“Temos uma espécie de máquina que imprime frases em um tipo de linguagem. Em particular, algumas das frases que esta máquina pode (ou não) imprimir podem ser:
—— P*x (que significa que a máquina imprimirá x)
—— NP*x (que significa que a máquina nunca imprimirá x)
—— PR*x (que significa que a máquina imprimirá xx, o R é abreviação de repetição)
—— NPR*x (que significa assim que a máquina nunca imprimirá xx)
Quando a máquina imprime NPR*FUU, isso significa que ela nunca imprimirá FUUFUU. Que é o mesmo que NP*FUUFUU. Até aqui, tudo bem.
Agora, consideremos a frase NPR*NPR*. Esta frase significa que a máquina nunca imprimirá NPR*NPR*.
Pois bem, ou a máquina imprime NPR*NPR*, ou ela nunca imprime NPR*NPR*.
Se a máquina imprimir NPR*NPR*, então está imprimindo uma frase falsa. Mas se a máquina nunca imprimir NPR*NPR*, então NPR*NPR* é uma frase verdadeira que a máquina nunca irá imprimr.
Isso significa que ou a máquina ocasionalmente imprime declarações falsas, ou há declarações verdadeiras que ela nunca imprime. Qualquer máquina que imprime apenas declarações verdadeiras deve falhar em imprimir algumas decalarações verdadeiras; ou, inversamente, qualquer máquina que imprima todas as declarações verdadeiras possíveis também deve imprimir algumas falsas”.
Talvez a explicação mais simples e intuitiva do teorema de Gödel seja
em verdade o paradoxo de Pinóquio proposto pelo Philosoraptor (ou o
ainda mais simples “Eu estou mentindo”). O conceito chave é a
auto-referência, a forma como tanto Pinóquio ou a impressora hipotética
podem produzir declarações sobre si mesmos que levam a contradições.
Porém a versão de Smullyan, um pouco mais longa, torna mais fácil
perceber como se relaciona com a prova matemática de Gödel: a máquina
capaz de imprimir declarações, incluindo sobre si mesma, é a aritmética,
grosso modo, a própria matemática.
No início do século 20, matemáticos buscavam fundamentar toda a
matemática sobre uma base clara, definida, livre de contradições. A mais
bela e pura das ciências. A partir desta fundação sólida, áreas mais
complexas da matemática e ciência poderiam ser assentadas, de forma que
ao final toda e qualquer declaração formal pudesse ser demonstrada como
verdadeira ou falsa. Uma das maiores obras representando este ideal foi o
Principia Mathematica de Whitehead e Russell, em que a prova de que 1+1=2 só é alcançada na página 379 do primeiro volume – e completada na página 86 do segundo (PDF).
Foi durante este ideal acadêmico com grandes programas e mentes em busca da pureza e clareza do preto no branco
que Kurt Gödel tropeçou ele mesmo com a prova de que este ideal era
muito claramente… impossível. Através de sacadas completamente geniais
envolvendo números de Gödel e diagonalização, os paradoxos lógicos como o de Pinóquio ou do barbeiro – proposto pelo próprio Russell
– foram traduzidos em aritmética e demonstrados como problemas de todos
os sistemas de proposições que possam fundamentar a aritmética que
conhecemos. Kurt Gödel demonstrou que estes paradoxos não são meras
curiosidades ou pequenas dificuldades que poderiam ser contornadas –
como acreditava Russell –, e sim ilustrações de limitações fundamentais e
insolúveis. Ou o sistema de proposições é consistente e incompleto – a
impressora que imprime apenas verdades, mas não todas as verdades –, ou
completo e inconsistente – a impressora que imprime todas as verdades, e
mentiras também.
É desta forma que há na matemática uma série de declarações que não
podem ser nem provadas nem refutadas. A Incompletude. Comumente estas
declarações são tomadas como verdadeiras ou falsas com base na utilidade
– ou sensatez (!) – de considerá-las verdadeiras ou falsas,
reconhecidamente sem uma prova formal a sustentar tal posição, que se
torna um novo axioma. Na mais pura e racional das ciências, pode-se
dizer que há declarações que são tomadas com base em fé.
Muitos, inclusive este autor, talvez não se sintam confortáveis com a
história contada desta forma, e com estas palavras, mas este autor
pensa que a questão metafísica deve ser mencionada no mínimo como
curiosidade histórica. Porque o próprio Gödel considerava a questão
neste contexto.
Podemos imaginar que os teoremas de Gödel demonstram como uma
máquina, um computador, e ainda mais uma impressora, teriam problemas em
avançar muito na matemática. Por certo computadores são bons para
cálculos, mas frente a uma questão que não possa ser provada verdadeira
ou falsa, um paradoxo, o computador poderia travar, e um robô poderia
exclamar “it does not compute!” e seu cérebro artificial explodiria,
como nas obras mais antigas de ficção científica. Gödel levava isto um
tanto a sério. Para ele, que nós possamos enxergar além destes paradoxos
indicava que não somos robôs, que estamos acima das máquinas. Seríamos
compostos de algo mais do que a simples mecânica de 1+1=2.
Esta crença em algo mais foi uma constante na vida de Gödel.
Uma de suas maiores pretensões era transformar a metafísica em uma
ciência exata. Talvez não seja assim tanta surpresa que uma das provas
formais em que trabalhou por décadas era nada menos que a existência de Deus.
De forma muito simplificada, em seu argumento ontológico Gödel buscou formalizar idéias anteriores – de Santo Anselmo e Leibniz – que podem ser resumidas como “Deus é perfeito, logo existe”. Pode parecer tão trivial e inócuo quanto “Eu estou mentindo”, mas se lembre do que Gödel pôde fazer a partir de paradoxos lógicos. Teria ele repetido a façanha com Deus?
Bem, nem você nem eu nos lembramos de Gödel sendo saudado por
matemáticos, lógicos, filósofos ou mesmo religiosos como “Aquele que
provou a existência de Deus”. A resposta é não. Seu argumento ontológico
está longe de ser uma prova sólida e revolucionária como seus Teoremas
de Incompletude e outras obras publicadas. O próprio Gödel reconhecia
como seu argumento não era definitivo
, tanto que não o publicou. Só conhecemos melhor seu desenvolvimento das idéias após sua morte, que era, com o perdão do péssimo trocadilho, um trabalho incompleto.
, tanto que não o publicou. Só conhecemos melhor seu desenvolvimento das idéias após sua morte, que era, com o perdão do péssimo trocadilho, um trabalho incompleto.
Mesmo a noção de Kurt Gödel de que nossa capacidade de enxergar além
de paradoxos lógicos era um toque divino não é muito bem fundamentada.
Que não somos limitados como computadores aritméticos é evidente, o que
também deve ser evidente é que é mais comum que pensemos de forma
ilógica e incoerente. Gödel via nossa capacidade de enxergar uma
declaração como verdadeira ou falsa como derivada de uma lógica maior, a evidência contudo sugere que nossas certezas podem ser não raro fruto de simples arbitrariedades, desenvolvidas e racionalizadas a posteriori de
forma inconsciente. Uma moeda justa lançada ao ar também pode decidir
entre cara ou coroa, sem nenhum sistema axiomático ou conexão com uma
entidade maior e perfeita.
Ironicamente, a própria fé metafísica de Kurt Gödel pode ser vista
como uma destas arbitrariedades ultimamente incoerentes. Se ela o levou a
desenvolver e provar algumas das mais revolucionárias idéias na
história das idéias, no entanto, está mais do que demonstrado o valor do
acaso.
(Sim, é Einstein ao lado de Gödel)
Fonte: http://scienceblogs.com.br
domingo, 18 de agosto de 2013
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