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domingo, 9 de outubro de 2011

O garoto de meio milhão de jogadas

Essas são as possibilidades que o norueguês Magnus Carlsen,
o novo número 1 do ranking, enxerga diante do tabuleiro.
Aos 19 anos, ele é o grande nome de uma geração
de enxadristas criada com os recursos dos computadores


Alexandre Salvador

Pal Hansen
APRENDIZADO VIRTUAL
Carlsen, grande mestre desde os 13 anos,
só treina com softwares: ele não se lembra
se tem em casa um tabuleiro convencional

Diante de um tabuleiro de xadrez, o norueguês Magnus Carlsen é capaz de proezas notáveis – principalmente para um jovem de apenas 19 anos. Sua memória guarda meio milhão de jogadas possíveis. Isso significa dispor de resposta pronta para praticamente qualquer lance do adversário. Não bastasse esse imenso arsenal, ele também consegue prever os vinte lances seguintes de uma partida, de acordo com suas movimentações iniciais e as de seu adversário. Carlsen encarna um personagem que gozava de grande popularidade num passado não muito distante – o gênio do xadrez. Até a década de 90, as disputas entre os grandes enxadristas eram televisionadas e eletrizavam o planeta. Os jogadores eram festejados como heróis e tinham seus passos seguidos com curiosidade. O interesse pelo xadrez diminuiu consideravelmente. Magnus Carlsen, pela precocidade e pela velocidade com que vem galgando degraus na carreira, é o primeiro enxadrista em condições de virar celebridade desde então.
Em 2004, com apenas 13 anos, Carlsen derrotou o antigo campeão mundial, o russo Anatoly Karpov, e empatou com o também russo Garry Kasparov, então o número 1 do ranking da Federação Internacional de Xadrez (Fide). No mesmo ano, recebeu o título de grande mestre, a mais alta qualificação de um enxadrista, equivalente à faixa preta nas artes marciais. No ano passado, Carlsen venceu dois torneios cruciais, um na China e outro na Inglaterra, e a recompensa veio no início deste mês. A Fide o colocou na primeira posição no ranking global dos jogadores de xadrez. "Desde a aposentadoria de Kasparov não surgia um jogador de primeiro time que fosse carismático, que atraísse a simpatia do público, como Carlsen", disse a VEJA o americano William Hall, diretor executivo da federação americana de xadrez.
Magnus Carlsen é o grande nome de uma geração de enxadristas que guarda diferenças significativas com os campeões do passado. Boa parte da popularidade desfrutada pelo xadrez nos anos 60 e 70 se devia à exploração ideológica do jogo promovida pelos Estados Unidos e pela União Soviética durante a Guerra Fria. Os soviéticos foram os maiores campeões de xadrez no século XX, mas sua hegemonia era constantemente ameaçada pelos americanos, e as disputas se tornaram instrumentos de marketing na polarização entre capitalismo e comunismo. No século passado, apenas um americano, Bobby Fischer, conquistou o título de campeão mundial de xadrez, em 1972, derrotando o russo Boris Spassky. A partida entre ambos, que durou um mês e meio e foi acompanhada atentamente em todos os quadrantes do planeta, ganhou o apelido grandioso de "o jogo do século".
Pal Hansen e Fotos: Chester Fox e Najlah Feanny/Corbis/Latinstock
O JOGO DO SÉCULO...
O soviético Boris Spassky e o americano Bobby Fischer (acima) na partida que deu o título mundial ao segundo, em 1972: o xadrez era usado como instrumento ideológico na Guerra Fria. Abaixo, o russo Garry Kasparov no jogo que perdeu para o computador Deep Blue, em 1997: hoje, há programas capazes de imitar o estilo dos campeões

... E O HOMEM CONTRA O COMPUTADOR

A característica da geração de enxadristas a que pertence Magnus Carlsen é que ela foi forjada sob forte influência dos computadores e dos softwares de xadrez. Numa entrevista recente, Carlsen não soube dizer se tinha em casa um tabuleiro de xadrez convencional – seu treino, que lhe toma de seis a oito horas diárias, é todo feito com o computador. Em maio de 1997, causou enorme repercussão a derrota de Garry Kasparov na partida que disputou com o supercomputador Deep Blue, construído pela IBM. Parecia incrível que a inteligência cibernética sobrepujasse a humana. Mal se sabia o que estava por vir. Naquele tempo, os programas de xadrez eram apenas grandes bancos de dados de jogadas, anteriormente catalogadas em livros para consulta. Com o avanço da tecnologia e a chegada da internet, os softwares ficaram mais espertos. Além de ser possível atualizá-los com os lances das partidas recém-jogadas, o computador já pode simular o estilo de jogo dos melhores enxadristas, ou seja, imitar soluções criadas por jogadores de carne e osso. "Com os programas de xadrez atuais, é muito difícil vencer a máquina, tanto por sua velocidade de processamento de dados quanto pela qualidade dos lances", diz o enxadrista carioca Darcy Lima, detentor do título de grande mestre e membro do conselho da Fide.
Isso significa que, para derrotarem os computadores, os jogadores têm de ser mais inteligentes? Não necessariamente. Disse a VEJA o psicólogo cognitivo Fernand Gobet, da Universidade Brunel, em Londres, autor de pesquisas que relacionam o xadrez com a inteligência de seus praticantes: "Hoje está provado que o QI não é fator decisivo para se tornar um grande jogador de xadrez. O mais importante é começar a jogar o mais cedo possível, ter motivação para aprender sempre mais sobre o jogo e treinar muito. Só assim se chega a guardar na memória meio milhão de jogadas". Essa foi a trajetória percorrida por Magnus Carlsen. 

Com pôquer, Brasil cria entidade de esportes intelectuais e quer Olimpíada em 2016




Contra o senso comum de que qualquer esporte implica ação física para ser tratado como tal, uma corrente de modalidades voltadas ao esforço mental luta para ser abraçada pela família olímpica. Com xadrez e pôquer como carros chefes, o Brasil acaba de criar a Associação Brasileira de Esportes Intelectuais, alinhada com movimento internacional do gênero, e espera receber os Jogos Mundiais deste segmento simultaneamente à Olímpiada de 2016 no Rio de Janeiro.
A Abrespi é filiada a IMSA, sigla em inglês para Associação Internacional de Esportes Intelectuais, com sede em Lausanne, na Suíça.
Internacionalmente, esta união dos intelectuais já existe desde 2005, com o nascimento da entidade que reúne praticantes de xadrez, dama, bridge e go (veja a tabela abaixo), modalidades que reúnem 400 federações nacionais e mais de um bilhão de jogadores. O movimento tenta caminhar alinhado com o COI para, gradualmente, figurar no rol de esportes com a chancela olímpica.
"Queremos nos afastar desta imagem de 'patinho feio' que está atrelada a nós", diz Darcy Lima, Grande Mestre Internacional de xadrez e presidente da nova entidade.
"Estávamos num limbo antes desse movimento internacional. Existe uma imagem muito comum, que liga o esporte à ação, ao movimento. Na verdade são vários os fatores que constituem um esporte: regras claras, um campeonato mundial, países filiados. Mas no imaginário popular o esporte está ligado à atividade física. A gente sofre com preconceito. Mas ultimamente estes esportes vêm sendo usados como ferramenta pedagógica, de inclusão social. São baratos e formadores de caráter. E assim o preconceito vem diminuindo", acrescenta o dirigente.  
Os primeiros Jogos Mundiais de esportes intelectuais aconteceram em 2008 em Pequim, paralelamente à Olimpíada do mesmo ano, com participação de equipes de 140 países e reunindo um total de 2.736 atletas durante duas semanas. A segunda edição acontecerá em Londres no ano que vem e, em 2016, a expectativa é que o evento desembarque no Brasil.
Assim, a criação da entidade no Brasil atende uma demanda internacional do movimento, que espera aproveitar a onda de eventos de grande porte no país para se fazer presente com seus Jogos Intelectuais na mesma época do Rio-2016.
"Existe uma grande possibilidade, mais de 90% de em 2016 [os Jogos] serem no Rio de Janeiro. Estamos alinhados com o movimento olímpico. Não podemos usar o nome Olimpíadas, mas esperamos em breve estar nesse grupo de três grandes eventos, os Jogos de Verão, os Jogos de Inverno e os Jogos Intelectuais", afirma Darcy Lima.

A popularidade mundial do pôquer é uma cartada do movimento para batalhar por atenção, mesmo com o esporte apresentando atualmente apenas status de membro observador da entidade internacional.
"Existe uma grande quantidade de dinheiro envolvida neste universo. Nos Estados Unidos, o pôquer tem a terceira maior inserção de mídia do esporte na TV, na frente do hóquei no gelo", argumenta o dirigente.
Além da ideia padrão a respeito das modalidades intelectuais, de quem associa esportes apenas à atividade física, o movimento ainda abraça a causa específica do pôquer, que lida com um outro tipo de preconceito.
Agora vinculada a práticas como xadrez, a modalidade luta para se distanciar da imagem de jogo de azar e das apostas em dinheiro nos cassinos do mundo. Na entidade dos intelectuais, o esporte é disputado em sua versão 'duplicate', que, na teoria, minimiza o efeito da sorte em resultados, argumentam seus defensores.
"É um esporte que sofre um preconceito a mais, porque vem de um tipo de jogo anterior, o jogo de azar. Mas está provado que o azar conta muito pouco. Cerca de dois terços das mãos jogadas são resolvidas sem mostrar as cartas, na base da estratégia. É um esporte recente, ainda associado ao jogo do cassino, por dinheiro. Mas existe azar como existe no futebol. Como naquela vez em que o cara cobrou o pênalti e a bola bateu nas costas do goleiro Carlos antes de entrar. Também é azar", comenta Darcy Lima, em menção a um célebre lance da seleção brasileira na Copa de 1986.
No Brasil, além das metas esportivas, a entidade que reúne as modalidades intelectuais também atuará em outra frente. A Abrespi deseja prosperar entre os jovens convencendo as esferas públicas do poder dos jogos em questão empregado como ferramenta educacional e de inclusão social.
Em seus primeiros passos a Abrespi trabalha com o auxílio da Brunoro Sport Business, conhecida empresa nacional de gestão e marketing ligada ao segmento esportivo.