O presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter, e o secretário-geral da
entidade, o francês Jérôme Valcke, deixaram claro, durante um evento em
Zurique na quarta-feira 24, que tipo de organização comandam. A Fifa é
um organismo internacional incrivelmente poderoso, cuja forma de atuar,
truculenta e autoritária, só faz fomentar a indignação entre analistas e
torcedores. Em vez de levar alegria para os países-sede da Copa do
Mundo, um dos auges do esporte mundial, a Fifa tem apenas provocado
desilusões.
Em Zurique, a Fifa organizou um raro evento edificante. A intenção era
discutir quais os impactos da Copa do Mundo para os países que organizam
o torneio. Blatter, com a desfaçatez que lhe é peculiar, mostrou a
importância que dá à democracia. Segundo ele, ficou feliz com o título
da Argentina em 1978, pois “houve uma reconciliação do povo com o
sistema político militar da época”. Para deixar claro, o que Blatter
revelou foi sua satisfação com o fato de o torneio (que ele ajudou a
organizar) ter contribuído para diminuir a pressão popular sobre o
governo do ditador criminoso Jorge Rafael Videla.
Valcke foi além. “Vou dizer algo que é maluco, mas menos democracia às
vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo. Quando você tem um
chefe de estado forte, que pode decidir, assim como [Vladimir] Putin
poderá ser em 2018, é mais fácil para nós organizadores do que um país
como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentes níveis”. Nesta
quinta-feira 25, Valcke foi ao Twitter para dizer que foi mal
interpretado. Estaria o francês fazendo apenas uma constatação.
De fato, a constatação de Valcke é verdadeira. Sistemas autoritários têm
facilidade até para mudar o caráter de um país; realizar um evento como
a Copa do Mundo, portanto, é algo até certo ponto tranquilo. O que
falta na declaração de Valcke é uma autocrítica da Fifa, uma tentativa
da entidade de responder: qual Copa do Mundo estamos levando para as
sedes e como isso afeta esses países?
A resposta deveria ter surgido em Zurique, mas não há, no comportamento
da Fifa, qualquer indício de reflexão deste tipo. A Fifa está
interessada apenas em lucrar (com isenção total de impostos) e gerar
lucro a seus patrocinadores, os mesmos que, ao juntar suas marcas à Copa
do Mundo, financiam a ditadura Blatter-Valcke dentro da Fifa e outras
menores nas federações regionais e locais. O que a Fifa deseja é
trabalhar com países que espelhem seu funcionamento: um pequeno grupo
fechado controla tudo, e fica com os dividendos, enquanto a negociação
se resume a detalhes.
Como foi na África do Sul, em que pequenos negócios não puderam
funcionar nas cercanias do estádio, um restaurante foi fechado por
exibir uma bola de futebol na janela e até agências de viagem foram
processadas, no Brasil a Fifa tem provocado apenas ódio com suas
determinações absurdas. A última delas está no site da Tribuna da Bahia
nesta quinta-feira 25. Segundo a Superintendência de Controle e
Ordenamento do Uso do Solo (Sucom) de Salvador, as festas de São João em
junho, quando ocorre a Copa das Confederações, foram proibidas na
capital baiana por conta de uma ordem da Fifa. É difícil pensar em uma
exigência mais descabida que essa, mas não se pode duvidar da Fifa.
Também em Salvador, a entidade tenta proibir a venda de acarajés,
patrimônio imaterial nacional, nas cercanias dos estádios.
No Brasil, o desgosto provocado pela Fifa é potencializado. Em seu
últimos três anos, o ex-presidente Lula (PT) pouquíssimo fez pela
organização do torneio a não ser manobrar para que seu time, o
Corinthians, conseguisse construir um estádio. O ônus ficou para o
governo Dilma Rousseff (PT), que corre contra o tempo para preparar os
puxadinhos dos aeroportos. As administrações municipais,
tradicionalmente incompetentes, não promoveram grandes mudanças em
nenhuma das cidades-sede, e alguns dos estádios, distribuídos por
conveniência política, se tornarão elefantes brancos em questão de
meses.
Soma-se a isso o fardo que é para o torcedor brasileiro ter de aguentar a
seleção brasileira, cada vez mais sem coração e chamada por muitos de
“seleção da CBF” (a Confederação Brasileira de Futebol), presidida por
José Maria Marin, o capacho da ditadura, por sua vez sucessor de Ricardo
Teixeira, exilado em Miami após as várias denúncias contra ele.
O torcedor brasileiro tem diante de si a seguinte situação: um poder
público omisso e submisso à Fifa, uma Copa do Mundo cujos benefícios são
impossíveis de enxergar, e uma seleção sem qualquer caráter. Torcer
contra parece ser, cada vez mais, uma opção viável.