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quinta-feira, 5 de setembro de 2013
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Lógica do abortismo
O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais 
provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da 
mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão 
interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam 
inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí 
portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar. 
Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na 
escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de
 chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou 
de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a 
única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de
 praticá-lo. À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito
 de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com 
segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência que 
evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em 
cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o 
ônus da prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa. 
Jamais tendo havido um abortista capaz de provar com razões cabais a 
inumanidade dos fetos, seus adversários têm todo o direito, e até o 
dever indeclinável, de exigir que ele se abstenha de praticar uma ação 
cuja inocência é matéria de incerteza até para ele próprio. 
Se esse argumento é evidente por si mesmo, é também 
manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes hoje em dia 
não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção pelo
 aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade 
criminosa – de apreender a noção de "espécie". Espécie é um conjunto de 
traços comuns, inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um 
indivíduo, de uma vez para sempre, numa natureza que ele compartilha com
 outros tantos indivíduos. Pertencem à mesma espécie, eternamente, até 
mesmo os seus membros ainda não nascidos, inclusive os não gerados, que 
quando gerados e nascidos vierem a portar os mesmos traços comuns. Não é
 difícil compreender que os gatos do século XXIII, quando nascerem, 
serão gatos e não tomates.
        A opção pelo abortismo exige, como condição prévia, a 
incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o abortista, a 
condição de "ser humano" não é uma qualidade inata definidora dos 
membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu 
talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem 
decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso 
social, não a natureza das coisas.
        O grau de confusão mental necessário para acreditar 
nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os abortistas alegam de 
maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus argumentos. Em
 geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios), porque 
pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como 
presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de 
aplicação catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção 
social, nada impede que uma convenção posterior a revogue, negando a 
humanidade de retardados mentais, de aleijados, de homossexuais, de 
negros, de judeus, de ciganos ou de quem quer que, segundo os caprichos 
do momento, pareça inconveniente.
        Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo 
abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de 
conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de 
bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.
        Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo 
mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral 
comum, como por exemplo o dever que um político tem de prestar contas 
dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com 
insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da 
Silva e sua querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um 
partido que ama e venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a 
essa idéia, saem ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a 
proposta abortista.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.
        Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua 
vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres 
supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para 
enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram 
milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora 
parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que 
não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não 
respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também 
indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a 
outra embutida.
        Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários
 incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca 
da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer 
que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo,
 eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que
 seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um 
crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade 
intrínseca, vivem de parecer que não o são. 
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de outubro de 2010
Diário do Comércio, 14 de outubro de 2010
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
A ortodoxia ateísta que me trouxe à fé
Megan Hodder era uma jovem e ávida leitora do 
neoateísmo, mas sua vida mudou quando ela leu o trabalho dos seus 
inimigos católicos
 
Cena do filme da vida de Edith Stein, do ateísmo para os altares.
Na última Páscoa, quando eu estava começando a explorar a 
possibilidade de que deveria haver algo a mais na fé católica, além do 
que eu tinha acreditado e sido levada a crer, eu li "Cartas a um jovem 
católico", de George Weigel01. Uma passagem em particular chamou-me a atenção.
Falando dos milagres do Novo Testamento e do significado de fé, Weigel escreve: "No
 jeito católico de ver as coisas, andar sobre as águas é algo totalmente
 sensato a se fazer. Ficar no barco, atendo-se tenazmente às nossas 
pequenas comodidades, é loucura."
Nos meses seguintes, aquela vida fora do barco – a vida da fé – 
começou a fazer bastante sentido para mim, a ponto de eu não poder mais 
justificar ficar parada. No último fim de semana eu fui batizada e 
confirmada na Igreja Católica.
 
Megan Hodder
É claro, isso não deveria acontecer. Fé é algo que a minha geração 
não considera, mas deixa de lado e ignora. Eu cresci sem nenhuma 
religião e tinha oito anos quando aconteceu o atentado de 11 de 
setembro.
 A religião era irrelevante na minha vida pessoal e, durante meus 
anos na escola, a religião só proporcionava um fundo de notícias de 
violência e extremismo. Eu lia avidamente Dawkins, Harris e Hitchens, 
cujas ideias eram tão parecidas com as minhas que eu empurrava quaisquer
 dúvidas para o fundo da minha mente. Afinal, qual alternativa havia lá 
para o ateísmo?
Como uma adolescente, eu percebi que precisava ler além dos meus 
polemistas favoritos, como começar a pesquisar as ideias dos mais 
egrégios inimigos da razão, os católicos, a fim de defender com mais 
propriedade minha visão de mundo. Foi aqui, ironicamente, que os 
problemas começaram.
Eu comecei lendo o discurso do Papa Bento XVI em Ratisbona, ciente de
 que tinha gerado controvérsia na ocasião e era uma espécie de tentativa
 – fútil, é claro – de reconciliar fé e razão. Também li o menor livro 
de sua autoria que pude encontrar, On Conscience02. Eu esperava – e desejava – achar preconceitos e irracionalidade para sustentar meu ateísmo. Ao
 contrário, fui colocada diante de um Deus que era o Logos; não um 
ditador sobrenatural esmagador da razão humana, mas o parâmetro de 
bondade e verdade objetiva que se expressa a Si mesmo e para o qual 
nossa razão se dirige e no qual ela se completa, uma entidade que não 
controla nossa moral roboticamente, mas que é a fonte de nossa percepção
 moral, uma percepção que requer desenvolvimento e formação por meio do 
exercício consciente do livre-arbítrio.
Era uma percepção da fé mais humana, sutil e fiável do que eu 
esperava. Não me conduziu a uma epifania espiritual dramática, mas 
animou-me a buscar mais no catolicismo, a reexaminar com um olhar mais 
crítico alguns dos problemas que tinha com o ateísmo.
Primeiro, moralidade. Para mim, uma moralidade ateísta conduzia a 
duas áreas igualmente problemáticas: ou era subjetiva a ponto de ser 
insignificante ou, quando seguida racionalmente, implicava resultados 
intuitivamente repulsivos, como a postura de Sam Harris sobre a tortura.
 Mas as mais atraentes teorias que poderiam contornar esses problemas, 
como a ética das virtudes, geralmente o faziam a partir da existência de
 Deus. Antes, com minha compreensão caricata de teísmo, eu acharia isso 
absurdo. Agora, com o discernimento mais profundo que eu tinha começado a
 desenvolver, eu não tinha tanta certeza.
Depois, metafísica. Eu percebi rapidamente que confiar nos 
neoateístas para argumentar contra a existência de Deus era um erro: 
Dawkins, por exemplo, dá um tratamento dissimuladamente superficial a 
Tomás de Aquino em "Deus, um delírio", abordando apenas o resumo das 
cinco vias de São Tomás – e distorcendo as provas resumidas, para 
variar. Informando-me melhor sobre as ideias 
aristotélico-tomistas, eu as considerei uma explanação bastante válida 
do mundo natural, contra a qual os filósofos ateístas não tinham 
conseguido fazer um ataque coerente.
O que eu ainda não entendia era como uma teologia que operava em 
harmonia com a razão humana poderia ser, ao mesmo tempo, nas palavras de
 Bento XVI, "uma teologia fundamentada na fé bíblica". Eu sempre 
considerei que a sola scriptura, mesmo com suas evidentes falácias e 
deficiências, era de certo modo consistente, acreditando nos cristãos 
que leem a Bíblia. Então eu fiquei surpresa ao descobrir que esta visão 
poderia ser refutada com veemência tanto pelo ponto de vista católico – 
lendo a Bíblia através da Igreja e de sua história, à luz da Tradição – 
como pelo ateu.
Eu procurei por absurdos e inconsistências na fé católica que
 pudessem descarrilhar minhas ideias da inquietante conclusão à qual eu 
me dirigia, mas o irritante do catolicismo é sua coerência: uma vez que 
você aceita a estrutura básica de conceitos, todas as outras coisas se 
ajustam com uma rapidez incrível. "Os mistérios cristãos são um todo indivisível", escreveu Edith Stein em "A ciência da cruz"03.
 "Se entramos em um, somos levados a todos os outros". A beleza e 
autenticidade até das mais aparentemente difíceis partes do catolicismo,
 como a moral sexual, se tornaram claras quando não eram mais vistas 
como uma lista descontextualizada de proibições, mas como componentes 
essenciais no corpo complexo do ensinamento da Igreja.
Havia um último problema, porém: minha falta de familiaridade com a 
fé como algo vivido. Para mim, toda a prática e a língua da religião – 
oração, hinos, Missa – eram algo totalmente estranho, em direção ao qual
 eu relutava em dar o primeiro passo.
Minhas amizades com católicos praticantes finalmente convenceram-me 
que eu tinha que fazer uma decisão. Fé, no fim das contas, não é 
meramente um exercício intelectual, um assentimento a certas 
proposições; é um radical ato da vontade, que engendra uma mudança total
 da pessoa. Os livros levaram-me a ver o catolicismo como uma conjectura
 plausível, mas o catolicismo como uma verdade viva eu só entendi 
observando aqueles que já serviam a Igreja por meio da vida da graça.
Eu cresci numa cultura que tem amplamente virado as costas para a fé.
 Por isso eu era capaz de levar minha vida adiante com meu ateísmo mal 
concebido e incontestado, e isso explica pelo menos parcialmente a 
grande extensão de apoio popular que têm os neoateístas: para 
cada ateu ponderado e bem informado, existirão outros com nenhuma 
experiência pessoal de religião e nenhum interesse em argumentar 
simplesmente indo na onda da maré cultural.
Enquanto a popularidade do ateísmo beligerante e reacionário diminui,
 cristãos sérios capazes de explicar e defender sua fé serão uma 
presença crescentemente vital na esfera pública. Eu espero que eu seja 
um pequeno exemplo da força de atração que o catolicismo ainda carrega 
em uma época que lhe parece às vezes irascivelmente oposta.
Fonte: The Catholic Herald | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere
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