quarta-feira, 15 de maio de 2013

Fold doloroso é Fold Bom

Apesar de o título da matéria ser bem peculiar, eu realmente acredito que a maioria dos folds chorados que acabo dando está correta. Mas por que são tão dolorosos assim? Nesta edição, vou comentar sobre uma mão que aconteceu comigo no Bellagio, numa mesa 10-20 NL de cash, que ilustra bem essa ideia.
 
Muitas vezes, quando a gente segue um raciocínio complexo, mas que faz bastante sentido, ele é complicado de se executar, seja pelas odds ou mesmo por curiosidade. É assim que a minha mente funciona e, às vezes, um fold que parece muito complicado, mas que faz sentido para mim e que seria coerente, acaba virando um call ruim (ou crying-call, como dizemos na linguagem do poker).
Tudo bem que o nível dos cash games que eu venho jogando é muito alto. Vegas e Los Angeles são recheadas de profissionais regulares e jogadores muito bons que mantêm outras atividades como principal fonte de renda e resolvem comparecer uma ou duas vezes por semana, fora o final de semana. Especialmente contra essa turma, muitas decisões acabam sendo complicadíssimas. A mão que vou apresentar para vocês foi realmente muito intrigante, por vários aspectos, e acho que ela vai lhes mostrar vários nuances do cash game.

Eu tinha um stack de 6K e era o dealer. Um jogador tight aumentou para 175 do UTG, seguido de um call em MP (loose) e eu, com 3-3, dei call também. Vamos ao flop em três jogadores, que vem com JQ3. Eu finalmente havia acertado a minha trinca depois de 6 horas jogando com um lucro momentâneo de 2K.
Apenas lembrando, os jogos 10-20 NL do Bellagio são muito fortes. A maioria se senta com mais de 5K, e não é surpresa nenhuma encontrar jogadores com 20K na mesa. O jogo é ultra deep stacked, e é por isso que eu gosto dele: acabo entrando com uma frente "modesta" de 200 big blinds e sou considerado short stacked, conseguindo explorar situações interessantes a que sou submetido muitas vezes.

Enfim, tenho posição e estou trincadinho no flop. O UTG sai disparando 350 num pote de 555 dólares. O MP, jogador bem centrado e loose (eita combinação forte – o cara era muito bom mesmo, dinamarquês) dá call, e a ação chega a mim com o pote valendo $1.255. Nesse momento, era difícil analisar o que os meus adversários tinham. Era possível desde um overpair, top pair com kicker alto (na mão do tight que subiu forte pré-flop) e até mesmo um straight draw ou um flush draw, ou Q-J (na mão do MP, com as combinações de mão do tight).

Para mim, aquela não era uma situação ideal para dar call e fazer slowplay, afinal, eu estava jogando contra mãos indefinidas de dois bons jogadores, com um bordo totalmente aberto e num pote em que já há um valor considerável. Eu vinha apresentando um jogo sólido e bem mixado, portanto poderia sim ser colocado num possível draw e ganhar muitas fichas. Após ter decidido que a jogada mais lucrativa seria o reraise, fiquei pensando num valor bom para manter um dos dois na jogada e representar que estava tentando roubar o pote mesmo, num semiblefe. Apliquei um raise para 1K redondinho. Mostrei muita força, não? (Ainda foi uma aposta menor que o valor do pote). O UTG pensou um pouco e deu fold – isso me fez achar que ele largou algo como A-Q ou K-K –, mas o meu segundo adversário deu o call mais rápido que eu já vi.

Nesse momento o pote continha $2.905, eu tinha $4.825 para trás e o vilão, cerca de 9K. O turn é um 5. Acho que não teria uma carta mais bonita do que essa no turn, e eu tive que me redobrar na concentração para não abrir um sorrisão na mesa. Ele pensou muito e deu check. Meu raciocínio agora é bem simples, mas duplo: se eu der uma free card para ele, corro o risco de perder um pote de 3K no river contra muitas cartas que podem azedar o meu pudim; se eu apostar um valor muito forte, corro o risco de não tomar o call por vários motivos, como, por exemplo, ele desistir de quedas para flush ou straight simples ou até mesmo dar fold em K-Q ou A-Q acreditando que eu tenha uma mão mais forte do que um draw, por ter disparado a segunda aposta em vez de controlar o pote. Como eu disse, essa é uma mão muito complicada e cheia de nuances.
Novamente decidi que apostar seria a jogada mais lucrativa. Se apostasse sem me comprometer completamente com o pote, ele poderia voltar all-in com um par, imaginando que eu acelerei a ação no flop com um semiblefe. (Caso ele tenha Q-J, por exemplo, creio que em 100% das vezes ele voltaria a casa no turn. Sei que ele tem 100% de certeza de que eu não posso estar blefando completamente nessa situação.) Apostei $1.900 num pote de $2.900 e ele, depois de pensar bastante, acabou dando call novamente. Estou muito contente com a minha jogada, pois está tudo correndo perfeitamente e eu estou escondendo sim a força da minha mão ao apostar no flop e no turn.

O river é um K, deixando o bordo com JQ35K. Essa carta impede qualquer flush, mas completa um possível straight draw. Fiquei com $2.925 para trás num pote de $6.705 e, para minha surpresa, ele pergunta quanto eu tenho de frente e aposta $2.500. Foi uma surpresa gigantesca, pois eu esperava essa pergunta no turn, mas não no river, oras! Aí eu fiquei realmente com a pulga atrás da orelha. A situação aqui tinha mudado completamente. Se eu desse call no pote de $11.705, teria odds de 1-para-4,7 (geral), sendo $2.500 para ganhar $11.705. Pela nonagésima vez nessa mão eu repito: a situação era complicadíssima – e tudo mudou completamente de figura nesse instante.
Comecei a imaginar que ele poderia ter T9 com duas pontas e flush draw no flop, ou AT com nut flush draw e queda na gaveta (a famosa “broca cara”), e resolveu jogar a mão de maneira diferente. Achei também que ele poderia estar fazendo slowplay com uma trinca de damas ou de valetes. Todas as outras mãos com valor de showdown e flush draws que não bateram pediriam mesa no river. Eu estava convicto disso.
Mas, e aí? Como eu faço para dar fold nessa trinca no river com essas odds?

Fui lá no fundo do baú e encontrei a minha teoria, que dá título a essa matéria: Fold doloroso é fold bom! (Em sua grande maioria). E, depois de reanalisar a jogada e ter muita consciência de que eu não estaria ganhando com a minha trinca baixa no river contra esse perfil de jogador nesse tipo de jogada, optei pelo fold. Demorei uns 10 minutos ou mais, foi tenso, mas acabei largando mesmo. Foi muito mais do que complicado esse fold, pois eu sei que o vilão é tão inteligente que é capaz de apostar no river até não tendo completado a pedida, pois sabe que essa é a única maneira de ele levar a mão caso eu estivesse semiblefando o caminho inteiro (com um ás, por exemplo). Por mais que improvável que fosse, ele era capaz disso, mas, como eu disse, seria bem improvável, e fatos improváveis têm que me ajudar a dar um bom fold na esmagadora maioria das vezes.

Depois que eu disse que estava dando fold na mão, ele disse: Você tinha Q-J?
Eu disse: Não, tinha trinca.
Ele respondeu: Você deu fold numa trinca aí? Você está falando sério?
Eu disse: Com dor no coração, mas dei.
Ele replicou: Se você mostrar a trinca eu mostro a minha mão.
E eu, com uma vergonha danada de mostrar a trinca e ficar com cara de tonto quando o cara abrisse qualquer mão pior que a minha, disse: Eu mostro. E abri 3-3 para trinca no flop.
Ele soltou as palavras: Você não pode dar esse fold, tá maluco? O que é isso?! E abre T-9... Straight no river...
Em português mesmo para ninguém entender nada na mesa, eu falei alto batendo na mesa: “Fold doloroso é Fold bom, seu Mojave! Esse é o jogo, garoto!”
Muitas vezes, nessa situação, você acaba não sabendo se o fold foi bom ou ruim, pois ou é maravilhosamente bom ou é incrivelmente ruim. Não tem meio termo. Já dormi muitas vezes com essa sensação ruim, mas também já aprendi a esquecer isso mais facilmente (se bem que nunca é simples assim).

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