quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Pôquer, o vilão do ano?

"Eu pago a aposta e aumento... a sua Alma!"

Nesta segunda-feira, li um artigo que me deixou muito surpreso. Quando procurei por “pôquer” no Google News, o terceiro resultado tinha uma chamada assustadora – “Pôquer online: o mal do ano”. Estava no site do jornal DCI. Pelo tom do título, eu já sabia o que me esperava quando cliquei no link.
Da primeira à última vírgula, discordei de tudo o que o autor escreveu. Achei de um conservadorismo tremendo. Nos últimos anos, o pôquer quebrou muitas barreiras no Brasil. O preconceito quase sumiu. Gosto de dizer, na minha coluna da CardPlayer Brasil, que até algum tempo atrás, o jogador de pôquer tinha síndrome de vira-lata (para citar a genial expressão do Nelson Rodrigues). Bastava a carrocinha virar a esquina e nós tremíamos, com medo de sermos laçados e transformados em sabão. Hoje, não mais. O pôquer ficou glamoroso, tão pop quanto a sopa Campbell’s do Andy Warhol.
O pôquer cresceu tanto que, atualmente, é quatro vezes maior do que o tênis no país. Enquanto o tênis distribui R$ 2,5 milhões em premiação ao longo do ano, o pôquer já passou a cifra dos R$ 10 milhões.
Decidi entrar em contato com o autor do citado artigo, Wenderson Wanzeller, um consultor financeiro. Wenderson gentilmente respondeu a todas as minhas perguntas. Devo notar que, apesar de discordar intensamente dele, respeito a sua opinião. Nada é unânime nesse mundo, e não tenho a pretensão de que o pôquer um dia seja.
Abaixo, transcrevo alguns dos pontos mais polêmicos do texto, as minhas reflexões, as de Wenderson e, eventualmente, algumas notas.
“O pôquer não é e nunca será uma profissão. (…) Não existe curso técnico, faculdade nem diploma de jogador.”

Eu digo: Segundo o dicionário, profissão significa “trabalho para a obtenção dos meios de subsistência”. Quem vive do pôquer, portanto, é um profissional das cartas. Além disso, o pôquer é comparado ao judô no artigo. Também não existe curso técnico, faculdade nem diploma para judocas.

Wenderson responde: Em relação à profissão, não faço essa afirmação sobre o judô. Refiro-me ao judoca como um esportista. Contudo, o atleta de judô é sim um profissional. Quem diz isso é a Classificação Brasileira de Ocupação (CBO – 3771-20).

Nota – A CBO também não classifica a categoria de enxadrista. O que foram, então, Kasparov e Bobby Fischer, na opinião da entidade?

“Nem de longe o pôquer é um esporte. (…) Tênis é um esporte. Jogue tênis com o Guga e depois diga quantos saques você devolveu.”

Eu digo: As chances de um amador vencer um grande campeão, como o Alexandre Gomes, numa partida de mano a mano, é quase nula, também.

Wenderson responde: Não sou contra a tentativa de se reconhecer o pôquer como esporte. Depois das várias manifestações que recebi, percebo que tem gente esclarecida trabalhando por isso.

“No Brasil, jogar pôquer apostando dinheiro é contravenção. Do jogo no boteco à casa de luxo. Se for no Brasil, e estiver valendo, é ilegal.”

Eu digo: Em lugar nenhuma da legislação brasileira está dito isso.

Wenderson responde: Essa colocação é interessante. Mas, mesmo reconhecendo minha afirmação, acho que não devemos entrar no mérito jurídico. O que conheço de Lei é o que a própria Lei exige, ou seja, o necessário para saber que não devo apelar para o desconhecimento de sua existência para me livrar da prática de um crime ou, dependendo do caso, de uma contravenção.

Nota – O Decreto Lei nº 3.688 proíbe a exploração dos jogos de azar (em que “o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”). Mas não diz se o pôquer se enquadra ou não na categoria.

“O pôquer não está sendo tradado como jogo de salão. Torneios que cobram a inscrição, menos mal. Se o valor for simbólico, não há o que se falar. Passou disso, em solo nacional, é contravenção.”

Eu digo: A inscrição para a São Silvestre custa R$ 500 no bloco principal. O prêmio do campeão é de R$ 28.000. Em que essa disputa difere de um torneio de pôquer?

Wenderson responde: Neste ponto me referi aos torneios de salão. Tudo bem se a associação dos jogadores de buraco organizar eventos cobrando pela participação. Acho que o mesmo se aplica ao pôquer. O que não pode haver e uma manipulação para transformar esta prática em aposta disfarçada. No caso da São Silvestre citado por você, estou de acordo, lembro apenas que o evento ocorre apenas uma vez por ano.
“O pôquer não passa de um jogo de azar.”

Eu digo: Como explicar, então, um jogador ser oito vezes campeão mundial na WSOP, caso do Phil Ivey?

Wenderson responde: Apesar de não conhecê-lo, não acredito que o Phil Ivey seja campeão somente pelo fator sorte. Reconheço que existem habilidades no jogo. Exemplo: blefar, mentir, insinuar, persuadir, etc. Decorar as probabilidades de vencer com combinações de cartas também é uma dessas habilidades. Mas, falando em probabilidades, qual seria a chance dele vencer um novato que tivesse uma mão de dois ases? Acho que somente habilidade não faria diferença.
Nota: Nenhum jogador é obrigado a entrar numa mão. Se o amador apostar com os dois ases, o Ivey pode simplesmente sair da jogada e ir para a próxima.

“O pôquer não passa de um jogo de azar.” (Parte II)

Eu digo: Há estudos e laudos técnicos que comprovam que o pôquer é um jogo de habilidade. Você poderia citar uma fonte segura que diz o contrário?

Wenderson responde: Infelizmente não posso responder esta pergunta da forma como você a coloca. O que posso afirmar é que tive uma infância num bairro muito violento. Muitos de meus colegas se perderam no vício das drogas, álcool e dos jogos. Quando digo que é jogo de azar, é porque muitos dos jovens que eu conhecia foram detidos pela polícia por jogar baralho valendo dinheiro, e o jogo de pôquer era um deles. Ressalto também que, neste momento, meu clamor é para voltarmos os olhos para os sites online de pôquer. O próprio título do artigo diz “Pôquer online: o mal do ano”. Nesses últimos dias tenho recebido críticas e elogios de todas as formas. Em relação às críticas, mais de 80% são de jovens que jogam pôquer online valendo dinheiro. Sinceramente, não imaginei que os apelos comerciais já tivessem influenciado tanto a nossa juventude – vide artigo. Sou um religioso não radical. Da mesma forma que você respeita a minha opinião, respeito a sua e a de todos os praticantes do jogo. Concordar é algo diferente. Ressalto que já solicitei ao nosso departamento de jornalismo a elaboração de uma matéria sobre o tema. Se aprovada, tentaremos ouvir o Secretário de Segurança Pública de SP. Além de perguntarmos sobre o suposto laudo técnico emitido por eles em relação ao jogo, também faremos o seguinte questionamento: duas ou mais pessoas jogando pôquer apostado no Brasil, é ou não contravenção? Se a matéria for ao ar com o Secretário de Segurança Pública afirmando que não, obrigatoriamente, terei que rever minha opinião.

Thiago Pessoa (Estudante de Direito - Blog Quero ser Shark)

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