quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Vai Que Bate... Feeling e níveis de pensamento


Na infinita jornada de aprendizado no poker, o ideal é que você encare o jogo como algo complexo e raciocine sobre o processo de aprendizagem que está prestes a invadir – assim você fica preparado para não pisar em falso. Nesta coluna, vamos conversar um pouco sobre minhas reflexões acerca do “feeling”.

De antemão, aviso que não sou for­mado em psicologia, e que toda e qual­quer observação feita aqui não tem a pre­tensão de ser uma verdade incontestável, mas sim uma percepção pessoal.
Quem nunca bateu um papo sobre poker com alguém, discutindo deter­minada mão, e o sujeito acabou a conversa citando o tal do “feeling” como argumento final? Vocês já repararam que os melhores jogadores pouco falam nesse assunto? Acho que tenho uma explicação para isso. Vamos tentar enxergar os argu­mentos sob a perspectiva de dois joga­dores de poker com visões e níveis teó­ricos diferentes. Nessa mão hipotética, acontecem movimentos até a chegada de um river que deixa a ação mais intensa, quando podemos então dis­tinguir os pensamentos do jogador avançado e do casual. O bordo imagi­nário tem T♠ 6♦ 8♥, e ambos recebem Q♣ K♥. Agora vamos obser­var o pensamento de cada um em separado.


  Jogador Casual 

   Dá check no river com o discurso de que sentiu que o adversário tinha J-9, e que, portanto, não valeria a pena arriscar uma aposta. 

 Jogador Avançado 

   Lembra-se dos padrões de apostas em cada street e do histórico, além de ter anotações sobre o oponente. Ele leva em consideração a frequência de deter­minados movimentos de seu adversá­rio e dos seus próprios movimentos, para entender como ele provavelmente vai pensar, ficando um passo à frente. Também busca suporte na matemática para saber a probabilidade de o opo­nente estar com uma mão pior e para avaliar qual das três ações (bet, check ou fold) é o melhor caminho – em caso de aposta, analisa qual o bet size (tamanho da aposta) mais apropriado. Ele conta as combinações de mãos com que estaria ganhando e vê para quais prováveis combinações estaria perden­do. Na situação em questão ele estima, por exemplo, que seu oponente tem dezesseis combinações de J-9, nove de T-8, seis de T-Q (considerando que ele já tem uma dama na mão, o que dimi­nui as combinações do seu oponente), seis de K-T e quatro de K-Q, totalizando 16 combinações para as quais ele perde, 21 de que ele ganha e 4 em eles empa­tam. Depois dessa análise, ele decide o que fazer, sempre com o objetivo de maximizar os ganhos e minimizar as perdas. Ufa! 

   Na verdade, o processo intuitivo – ou “feeling” – é mais uma teoria enten­dida de forma inconsciente, uma adap­tação daquilo que o sujeito não sabe explicar verbalmente. Essa definição às vezes é confundida, reverberando em situações como “adivinhar a carta que vem no topo do baralho”, por exemplo. Se você é daqueles que acreditam pia­mente nisso, melhor fechar esta revista e ir ler “O Segredo”. 

Certa vez, uma professora de física me disse que sempre que você atravessa uma rua, faz automaticamente o cálculo de “ΔS/ΔT” para saber a velocidade que tem que atravessar sem correr perigo de ser atropelado. Agora imagine quantos cálculos sua mente faz para você chutar uma bola de futebol ou quando está jogando poker. 

Nosso inconsciente é capaz de pen­sar e calcular uma infinidade de coisas ao mesmo tempo. Então, em uma par­tida de poker, na qual em uma amos­tra considerável de situações (como o número de mãos de determinado jogador, padrão de apostas, tempo de ação, histórico, tells), a mente calcula e trabalha com tantos dados que poucos jogadores vão saber racionalizar tanta coisa. Portanto, devido à natural inca­pacidade de acompanhar seus subcons­cientes, as pessoas argumentam a favor do feeling, que não é nada mais do que a sensibilidade necessária para “entrar na frequência” do outro jogador. 

Essa “frequência” pode ser entendi­da como a lógica com que os jogadores vão fazer as jogadas futuras levando em conta o histórico das passadas. E quan­to maior for o numero de associações, maior será a chance do acerto da previ­são do que o jogador vai fazer naquele momento. 

Considerando o histórico e o nível de jogo do adversário, determine seu “thinking level”, que é o nível de racio­cínio que ele vai utilizar contra você. A partir disso, você terá que utilizar um nível superior para enfrentá-lo, pois ele pensa que você está em um nível inferior ao dele. Trocando em miúdos: o oponente acha que você segura uma trinca ou melhor quando você aposta X. Ele pressupõe isso porque, todas as vezes que você segurava uma trinca ou maior, apostou X. Sabendo disso, você, sem mão alguma, aposta X, e o oponen­te dá fold confiando na própria leitura. Ou seja, você estava se adaptando ao “thinking level” dele, pensando um nível acima. 

Como podemos notar, é muito importante a percepção de todos os elementos do jogo. Dominar os níveis de pensamento adequando-os aos opo­nentes equivale a entrar na mesma frequência deles. Isso é imprescindível para qualquer jogo de alto nível. 

Adequar e rotular um jogador com um determinado “nível de pensamento” em uma jogada é um trabalho árduo que não se domina do dia para a noite. Mas, nesta edição, vou tentar dissecar e exemplificar esses níveis, dos básicos até os mais complexos.



Nível 0:  Qual é a minha mão? Nesse nível mais básico, que todos dominam, os jogadores olham suas cartas e analisam apenas quais são as mãos que eles derrotam e aquelas para as quais eles perdem.
Exemplo: Segurando 9♥ J♦, o bordo vem J♠ 9♦ 7♣. Você sabe que está segurando dois pares, então sabe que ganha de um par e de dois pares menores, mas que perde para uma trinca ou um straight.


Nível 1: Que mão tem o meu adversário? Aqui, o jogador olha para a sua mão e calcula a probabilidade de estarganhando do oponente, considerando a maneira como este jogou. Ele o coloca em um range, sabendo se sua mão é boa o suficiente. Exemplo: Você recebe par de noves e já tem leitura suficiente para saber que o jogador sentado à sua esquerda não gosta de jogar potes grandes sem uma mão realmente boa. Você constatouisso através de uma amostragem significativa obtida com o Hold’em Manager (software de estatística usado pelos profissionais online). O programa está dizendo que ele só da 3-bet 2,6% das vezes, o que corresponde a um range muito pequeno de mãos, mais ou menos QQ+ e AK. Então, quando o adversário tribeta, você rapidamente dá fold com seu par de noves.



Nível 2: O que o meu adversário acha que eu tenho? Nesse nível de pensamento, podemos começar a separar os garotos dos recém-nascidos. Agora, finalmente estamos enfrentando um nível de pensamento mais complexo, com nosso adversário pensando sobre o que nós podemos estar segurando – é hora de termos consciência de nossas jogadas de modo a interpretar o que o adversário está pensando sobre nós. Exemplo: Temos top pair e um bom kicker. Em um flop com dois naipes, recebemos uma donk-bet (aposta no flop contra o oponente que deu o raise pré- -flop) e damos apenas call, controlando o pote. No turn, aparece a terceira carta do naipe, podendo ter completado um possível flush, e o oponente torna a apostar forte. Damos call novamente por achar que, boa parte das vezes, essa aposta ainda pode ser um blefe, já que o oponente pode perfeitamente representar um flush. No river, acontece uma terceira aposta do adversário de quase o valor do pote, e nós concluímos que esse adversário poderia blefar até o turn representando o flush, mas uma terceira aposta forte no river significa, na maioria das vezes, um flush de verdade, dois pares ou maior, com que o oponente acha ser capaz de extrair fichas de top pairs. Com isso, damos fold.



Nível 3: O que o meu adversário pensa que eu penso que ele tem? É hora de separarmos os homens dos garotos. Nessa situação, nosso adversário irá elaborar um raciocínio mais complexo do jogo, nos desafiando a travar uma guerra psicológica. Ele analisará a forma como você provavelmente está olhando para os movimentos dele: desse modo ele estará examinando o que você vai fazer para contra-atacar, encarando a sua jogada como reação à interpretação dos movimentos dele. Exemplo: Citando o mesmo exemplo do Nível 2, o oponente tem uma leitura de que, se eu tivesse o flush, teria dado raise no flop, considerando o bordo em questão. Ele então, não tendo absolutamente nada em mãos, pensa que eu vou achar que ele tem uma mão como um flush, dois pares ou mais caso ele aposte no flop, turn e river. O oponente segue a ação descrita e mostra seu blefe após o meu fold no river. Níveis Seguintes Os níveis de pensamento não têm limite. Poderíamos escrever um livro só sobre esse assunto, ilustrando-o com exemplos, citando os Níveis 4 (em que meu adversário pensa sobre o que eu penso que ele pensa que eu tenho), 5, e assim por diante. O importante é estar sempre pensando um nível acima do adversário. É dessa maneira que os melhores do mundo se destacam do resto – eles sabem encaixar essa técnica com precisão cirúrgica.


É preciso deixar bem claro que os Níveis de Pensamento não são Tipos de Adversário, mas sim linhas de raciocínio que eles vão adotar em determinadasituação. Existe a tendência de a complexidade do nível de pensamento aumentar de acordo com o tamanho do pote: quanto maior for o pote, mais complexo será o nível. A aplicação do Nível Zero é muito comum em torneios onde se está short stacked e se recebe pocket pairs ou mãos como AK ou AQ, pois você só precisa desse nível para ir all-in. O Nível 1 abarca o maior número de situações, quando os jogadores geralmente pensam em potes pequenos e em roubo de blinds. O Nível 2 é bastante usado para, por exemplo, dar um segundo tiro, expulsando o adversário ao mostrar a força da mão, blefando de maneira muito eficaz, simulando uma mão forte. Já o 3 se dá em potes com 4-bet, blind war (guerra de blinds) e em potes maiores. A partir deste nível, é mais comum termos situações estando deep-stacked, em rivers e com um histórico bem formado dos oponentes.


Também é imprescindível que você pense apenas um nível acima, para nãocorrer o risco de fazer uma jogada de EV negativo. Por exemplo: o oponente está pensando no Nível 1 (cogitando que mão você tem) e você, no Nível 3 (ele pensando no que você pensa que ele tem). Nessa situação, você estará pensando no que ele pensa que você pensa que ele tem, quando, na verdade, ele só está pensando em que mão você pode ter, objetivamente falando. Depois do que conversamos nessas últimas colunas, sobre mente inconsciente, frequência de movimentos e, finalmente, níveis de pensamento, eu pergunto a vocês: qual é a chance de Phil Ivey pronunciar a palavra feeling para explicar suas jogadas?


André Dexx

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